Essa crônica sobre ar condicionado descreve e alerta alguns problemas graves que podem acontecer quando a instalação dos aparelhos de ar condicionado é feita por pessoas não especializadas.
Ar Condicionado
Roberto e Roberta se casaram pelas afinidades: adoravam guitarra, rock, motocicletas, bicicletas e massas portuguesas. Nos demais assuntos, entravam em acordo, exceto nas compras realizadas por ela ao fim do mês e das saídas noturnas de quarta-feira quando ele se encontrava com os amigos, jogava bola e terminava a noite numa choperia pouco movimentada num desses bairros mortos.
Roberto e Roberta viviam discretamente numa casa financiada e as motos – cada um tinha a sua – também beiravam os juros. Por essa razão, Roberto e Roberta guerreavam nos assuntos financeiros imprevisíveis. Assim ocorreu numa noite de domingo ao saírem da igreja: um carro derrubara a moto, arrebentara o espelho, amassara o tanque, quebrara o pedal e danificara o cano.
Outra situação: Roberto descobrira um problema no ouvido. O serviço público falho e o plano de saúde suicida escusaram-se das eventuais despesas com o tratamento e ele, retirando o pouco dinheiro da poupança e emprestando algum recurso do pai, pagou os exames, as consultas e o tratamento que o levavam semanalmente, por um ano e meio, ao centro de referência da capital.
O calor e o frio pareciam insignificantes diante da possibilidade de comprar um ar condicionado para as noites de calor ou, como desejava Roberta, que morara três anos e meio em João Pessoa, para os dias de frio. As conversas em torno da compra do ar condicionado – os ajustes do orçamento, as perspectivas e os desejos consumistas – duraram cinco meses.
Roberta correu à loja que parcelava em vinte e quatro vezes, porém se assustou com os preços e, voando à biblioteca, pegou o classificado dos jornais: oito anúncios ofereciam preços, tamanhos e potências diferentes. Anotou tudo num papel surrupiado do caderno de um estudante que copiava informações de uma enciclopédia desatualizada.
O primeiro, o quarto e o sexto números já tinham vendido os produtos. O segundo não atendeu às chamadas. O terceiro e o quinto cobravam alto, sendo descartados antes mesmo de qualquer negociação. Conversou muito com o sétimo, mas a voz paciente do oitavo convenceu-a de que deveria verificar as condições.
Sem consultar o marido, transferiu ao vendedor sete cheques pré-datados, escreveu o número do telefone e o endereço no verso e saiu, com alguma dificuldade, segurando fios e peças. Roberto surgiu da cozinha, mãos sujas de farinha de trigo e avental manchado de molho. Que raios de receita ensaiava?
Visivelmente desconfortável pela surpresa, ajudou a descarregá-la. Os eletricistas cobravam trezentos reais para uma simples instalação. Acessou uma página da internet e copiou um manual criado a partir das sugestões de internautas.
Leu as diretrizes, identificou os pontos comuns e em três dias – entre arrumar um orifício na parede e providenciar o suporte – abria uma lata de refrigerante para comemorar. Roberta olhava a gambiarra. Desconfiava das habilidades e, para ficar longe de intrigas, ignorou os métodos de ligação elétrica, fios descobertos do lado de fora, caindo das brechas das telhas ou arrastando sutilmente na calçada onde geralmente acumulavam-se pequenas poças ou da torneira mal fechada, ou dos eventuais pingos de chuva.
– Hoje, inauguramos uma nova fase em nossa vida, disse o feliz marido.
Assistiram ao telejornal, sintonizaram no canal de esportes de inverno do Canadá, jantaram massa deliciosa, beberam vinho, presente de um amigo. Verificaram se o gato da vizinha não estava atrás do sofá. Finalmente, vestiram os pijamas. Roberto ligou o ar condicionado. Fazia muito barulho, mas cansados e razoavelmente embriagados, Roberto e Roberta deram pouca relevância ao detalhe. Até a explosão.
Roberta gritou desesperada. Roberto levantou num pulo, correu para a tomada. Para aliviar a fumaça intensa, abriu a janela do quarto, da cozinha, do banheiro e, na sala, enquanto retirava o cadeado, olhou abismado para o céu claro.
– Nunca pensei que veria tanta estrela aqui, suspirou, voltando ao quarto para socorrer Roberta enquanto moradores saíam às calçadas em busca de notícias da escuridão repentina.
*Publicado originalmente na Coluna Ficções, Caderno Tem!, do Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP) de 10 de dezembro de 2010.VICENTONIO REGIS DO NASCIMENTO SILVA
Publicado no Recanto das Letras em 10/12/2010 – Código do texto: T2665040
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